ARTIGO ESCOLHIDO DO MÊS - Compartilhar, estudar, ampliar olhares: narrativas docentes


Oi gente, tudo bem?

Pesquisei um artigo pertinente à conversa desses últimos meses, porém sempre bastante atual, não muito longo e com certeza muito útil. O mais legal deste artigo é que tem entrevistas com professores, o que deixa a "ideia" de um artigo científico menos elitista e mais próximo da nossa realidade em classe. São seus futuros colegas de trabalho tecendo opiniões no artigo! 

Vou deixar o texto na íntegra aqui no blog, assim ele pode ser revisitado a qualquer momento. 

Para quem estiver desacostumado com este tipo de prática (ler publicações científicas) indico ler devagar, anotar o vocabulário desconhecido e pesquisar as palavras novas.
Coisa bem de professora, hein?
Tenho certeza que na segunda ou terceira leitura já estará mais fácil. 

Os sublinhados são meus, que fiz ao estudar o artigo.
Vocês perceberão que gosto de sublinhar os textos que não são meus, marcando as partes que considero mais importantes. Essa é a forma que uso para aprender enquanto ensino.

Depois de ler, se alguém quiser enviar alguma consideração, precisar de um suporte ou tiver alguma dúvida é só me mandar um e-mail.  

Divirtam-se.
Beijos, M.


Compartilhar, estudar, ampliar olhares: narrativas docentes sobre formação continuada

Por Gabriela Alves de Souza Vasconcelos dos Reis¹
e Luciana Esmeralda Ostetto²

1- Secretaria Municipal de Educação de Itaboraí, Itaboraí, RJ, Brasil. Contato: gabivreis@gmail.com 
2 - Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. Contato: lucianaostetto@id.uff.br


RESUMO

A pesquisa que dá base ao presente artigo objetivou perscrutar sentidos e discutir contribuições da formação continuada para a prática pedagógica da educação infantil. Sustentada pelos aportes teórico-metodológicos das abordagens (auto)biográficas, privilegiou narrativas docentes, abrindo espaços para a memória, tecendo histórias de formação, de saberes e práticas, no encontro com professores e professoras que atuam na rede municipal de educação de Itaboraí - RJ. O material biográfico, configurando dados principais da pesquisa, foi gerado por meio de entrevistas narrativas que contemplaram aspectos relacionados à ação docente: fundamentos da educação infantil, conteúdos, objetivos, conhecimentos necessários à ação docente, fatores relacionados à sua aprendizagem e das crianças, papel do professor. Tomando como eixo de análise a relação entre teoria e prática presente nos percursos formativos docentes, os resultados apontam questões conceituais e formais, relacionadas a propostas de formação continuada: a formação continuada é percebida como lugar de pensar e refletir, de compartilhar saberes e experiências; não pode ser apenas repasse de metodologias, mas espaço-tempo de estudo; teoria e prática são articuladas quando são colocados em diálogo o cotidiano e as referências bibliográficas. Dentre os conteúdos elencados, chamam a atenção aqueles relacionados ao planejamento e à organização da rotina na educação infantil, os quais deveriam fazer parte dos estudos, continuamente, segundo as narrativas tecidas. As referidas indicações são potentes recomendações para se pensar e fundamentar a formulação de políticas públicas para a qualificação profissional docente.

Palavras-Chave: Formação continuada; Educação Infantil; Teoria e prática; Narrativas autobiográficas; Políticas de formação docente


Educação infantil no Brasil: entre conquistas e desafios
A partir da segunda metade do século XX testemunhamos o surgimento de novos discursos sobre a infância. O estatuto de cidadania confirmado para as crianças de todas as idades sinaliza, em perspectiva sociopolítica e cultural, a necessidade de novas práticas a elas relacionadas. No contexto brasileiro, a promulgação da Constituição de 1988 e, como desdobramento, a aprovação do Estatuto da criança e do adolescente, em 1990, foram marcos decisivos para a formulação de políticas voltadas às faixas etárias em questão. No que diz respeito especificamente ao direito de meninas e meninos brasileiros à educação, a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) consagrou a educação infantil como primeira etapa da educação básica e, com isso, creches e pré-escolas, independente da população ou da faixa etária atendidas, foram incorporadas ao campo educacional, gerando mudanças expressivas.

Historicamente ligadas a órgãos das áreas da assistência ou saúde, e não da educação, as instituições de atendimento às crianças foram marcadas por políticas que lidavam “pobremente com a pobreza” (FRANCO, 1989), preocupando-se sobretudo com a alimentação e o serviço básico de saúde. Tais funções e objetivos justificavam, por sua vez, a contratação de profissionais com baixa escolaridade e sem formação específica: entre raras professoras, encontravam-se monitoras, estagiárias e, por vezes, a colaboração das mães era convocada.

Na conjuntura aberta pela nova legislação, caminhando-se para o enfrentamento e superação de uma educação assistencialista (KUHLMANN JR, 2010) – comprometida com a formação de hábitos e atitudes, uma educação de baixa qualidade, mais moral do que intelectual, voltada preponderantemente para a guarda e assistência das crianças, concebida como favor e não como direito –, a determinação de um perfil profissional e de uma formação específica para atuação na primeira etapa da educação básica tornou-se imprescindível. Definir que o profissional da educação infantil seria o professor, habilitado em curso superior, admitida a formação no ensino médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996), representou sem dúvida uma imensa conquista.

Nesse processo, entre lutas, conquistas e desafios, muitas outras questões ainda precisam ser enfrentadas para que a oferta de educação infantil seja efetivada com qualidade e justeza de condições para todas as crianças brasileiras. De toda forma, estabelecer diretrizes curriculares sustentadas em princípios éticos, políticos e estéticos – reafirmando o cuidar e o educar como objetivos indissociáveis da educação infantil, a concepção de criança como sujeito de direitos (que não apenas é produzida na cultura, mas produz cultura), a brincadeira e as interações como grandes eixos estruturantes das propostas pedagógicas –, a serem contempladas pelos projetos de todas as instituições de educação infantil do território nacional (BRASIL, 2009), configurou um significativo avanço que, por sua vez, intensificou os desafios para a formação e a prática docentes.

Atentando para a construção histórica do campo profissional e para as trajetórias de formação de quem tem atuado e/ou atua em instituições de educação infantil, identificamos hoje, além da exigência de professores e professoras com formação inicial específica, a necessidade de uma formação continuada que tome por base o perfil profissional requerido e projetado. E então, pergunta-se: Como deveria ser pensada essa formação na atualidade? Quais os limites e as possibilidades formativas de propostas de formação inicial e de formação continuada? Que caminhos formativos poderiam ser percorridos, segundo desejos e necessidades de professores e professoras?
O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa que buscou aprofundar a compreensão sobre a formação continuada no âmbito da educação infantil, abrindo espaços para as narrativas docentes – para a memória que tece histórias de formação, de saberes e práticas (REIS, 2016).

Formação, experiência formadora, narrativas autobiográficas
Como um jogo de equilíbrio entre as tradições, meio sociocultural, pressões e tensões político-sociais, o processo de formação docente pressupõe construção social – envolvendo crenças, valores, convicções profissionais e epistemológicas –, que transcorre ao longo da vida, entre visões do futuro e necessidades profissionais (NÓVOA, 1995). Compreende-se, assim, que o formar inexiste no a priori e é, antes, formar-se, processo permanente, abarcando transformações e aprendizagens realizadas pelo sujeito sobre si mesmo, nas interações sociais e no relacionamento com seu meio pessoal e profissional.
A formação é uma síntese de experiências e conhecimentos apropriados antes e durante a formação inicial e/ou continuada, considerando-se desde as experiências como aluno até aquelas vividas ao longo do exercício profissional como professor. Mais ainda, abarca um processo cujo começo se situa muito antes do ingresso nos cursos de formação inicial, desde os primórdios de sua escolarização e até mesmo antes, e que tem prosseguimento durante todo seu percurso profissional. Deste ponto de vista, as experiências-histórias da pessoa-professor desempenham um papel imprescindível na sua formação profissional: as experiências pessoais e profissionais são fios que vão sendo tecidos e destecidos no decorrer da vida, compondo e ampliando os sentidos da pessoa-professor como profissional (NÓVOA, 1995; 2010).

Ao apresentar o conceito de experiência formadora, Marie-Christine Josso (2004) coloca em discussão a ideia de vivência, relacionada aos acontecimentos da vida dos sujeitos, mas que muitas vezes não são assimilados pela consciência. Para que uma vivência possa atingir o nível de experiência, é necessário realizar um trabalho reflexivo sobre o que aconteceu. Dessa forma, algumas vivências e experiências do cotidiano docente – como ensino, aprendizagem, papel do professor, entre outras –, podem se beneficiar de uma ressignificação através das narrativas das histórias vividas, promovendo uma abertura de espaço às múltiplas possibilidades de ser e de se constituir a partir de si mesmo.
A experiência, nessa perspectiva, também não pode ser concebida como um adorno da formação, mas sim uma referência potencial que dinamiza movimentos de apreensão e avaliação de situações, como também de promoção de novos conhecimentos. Compreendendo a experiência como a relação existente em uma dada cultura entre os diferentes campos do saber, de socializações e formas de subjetivação, torna-se possível construir processos formativos enquanto experiência formadora, como aprendizagem que articula:

[...] saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. (JOSSO, 2004, p. 39).

A experiência formadora, então, traz em si a dialética entre os sujeitos, a sociedade e a cultura, sem hierarquização nem fragmentação. Trata-se de uma totalidade que se apresenta na formação e promove a construção de outras experiências, com rupturas e/ou consolidação de aprendizagens, uma vez que “as dialéticas entre saber e conhecimento, entre interioridade e exterioridade, entre individual e coletivo estão sempre presentes na elaboração de uma vivência em experiência formadora” (JOSSO, 2004, p. 49). Para a referida autora, o processo laborioso engendrado na transformação das vivências em experiência – através de uma aprendizagem refletida e a organização da significação existencial de um conjunto de experiências em uma determinada história – possibilita o alargamento do campo da consciência.

Há nesse meio, não somente a abertura de um conhecimento da existencialidade e do saber-viver, mas também a convocação do sujeito para assumir a parte de responsabilidade que lhe cabe no processo de formação, que se orienta para a autonomização do pensamento, para o conhecimento de si: o sujeito da formação “caminha para si” (JOSSO, 20042010a). A abordagem (auto)biográfica, ao lançar luzes sobre as histórias de formação, reconhece que os professores são produtores de um conhecimento sobre si, sobre os outros e sobre o cotidiano; reconhece que suas experiências construídas ao longo da vida podem ser ordenadas e tornadas visíveis por meio de narrativas autobiográficas, potencializando reflexões referenciadas às aprendizagens do percurso. Quando se pretende discutir propostas de formação continuada, ressalta-se a importância deste aporte teórico-metodológico como perspectiva e instrumento prolífico para a produção de um tipo de conhecimento que faça sentido ao professor, confrontando o formativo e o prescritivo.

De fato, a construção da narrativa centrada nos percursos formativos possibilita à pessoa que conta a própria história de vida retomar suas vivências passadas e/ou presentes nas interfaces passado/presente, individual/coletivo, pessoa/mundo, potencializando o caráter formador deste processo. Do ponto de vista processual, a narração de si compreende uma atividade de elaboração intelectual e de socialização do pensamento, reconstituindo a experiência vivida a partir de suas significações no contexto de vida da pessoa que se coloca e se revela através de uma narrativa autobiográfica (DOMINICÈ, 2010). Assim, na pesquisa baseada em narrativas autobiográficas, no plano da interioridade a pessoa que narra se deixa levar pelas associações livres para evocar as suas experiências e organizá-las em uma coerência narrativa em torno da sua formação e, no plano da exterioridade, a socialização da autodescrição de um caminho, com as suas continuidades e rupturas, envolve competências verbais e intelectuais que estão na fronteira entre o individual e o coletivo (JOSSO, 2004).
Nesse processo, o acesso à experiência narrada se dá através das recordações-referências, que representam, simbolicamente, aquilo que o autor da narrativa compreende como elementos constitutivos de sua formação, haja vista significarem, ao mesmo tempo, uma dimensão visível, que apela para as percepções ou para as imagens sociais, e uma dimensão invisível, que apela para emoções, sentimentos, sentidos ou valores, constituindo, assim:

[...] experiências que podemos utilizar como ilustração numa história para descrever uma transformação, um estado de coisas, um complexo afetivo, uma ideia, como também uma situação, um acontecimento, uma atividade ou um encontro. E essa história me apresenta ao outro em formas socioculturais, em representações, conhecimentos e valorizações, que são diferentes formas de falar de mim, das minhas identidades e da minha subjetividade [...]. (JOSSO, 2004, p. 40).

As narrativas de formação constituem material baseado em recordações consideradas pelos narradores como experiências significativas das suas aprendizagens, análises da sua evolução nos itinerários socioculturais e das representações que construíram de si mesmos e do seu ambiente humano natural. Logo, a pesquisa com narrativas autobiográficas tem um propósito fundamental de ouvir a pessoa-sujeito da investigação e, desse modo, criar também oportunidades para aprendizagens, crescimento e desenvolvimento a partir das próprias experiências pessoais-profissionais.

No encontro, vozes e histórias docentes
Sobre narradores, narrativas e história, é clássico o trabalho de Walter Benjamin (2012), escrito nos anos de 1933 e 1936, que considera as experiências passadas de pessoa para pessoa a fonte à qual os narradores recorrem para contar histórias. Nessa perspectiva, as narrativas adquirem um status especial, como uma forma específica de comunicação, com as marcas do artesanal, que é vida e autoria. Experiência. Clandinin e Connelly (2011)ao discutirem sobre pesquisa narrativa, podenram sobre dois termos que precisam ser elucidados: narrativa e experiência, Dizem os autores:

Para nós, a narrativa é o melhor modo de representar e entender a experiência. Experiência é o que estudamos, estudamos a experiência de forma narrativa porque o pensamento narrativo é uma forma-chave de experiência e um modo-chave de escrever e pensar sobre ela. Cabe dizer que o método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo. Assim, dizemos que o método narrativo é o fenômeno e também o método das ciências sociais. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 48).

Na mesma direção, para Delory-Momberger (2008, p. 37):

[...] é a narrativa que faz de nós o próprio personagem de nossa vida; é ela, enfim, que dá uma história a nossa vida: não fazemos a narrativa de nossa vida porque temos uma história; temos uma história porque fazemos a narrativa de nossa vida.
 
De outra forma, como dizem Jovchelovitch e Bauer (2012, p. 110) “a narrativa privilegia a realidade do que é experienciado pelos contadores de história: a realidade de uma narrativa refere-se ao que é real para o contador de história”. Nessa perspectiva, o homem legitima o papel de um ser narrador, compartilhando com mestres e sábios o poder de contar histórias, cujo desafio é contá-las inteiras e com dignidade.
Como também nos diz Larrosa (1998, p. 38): “quando contamos nossas histórias e experiências para os outros, de forma escrita ou oral, elas deixam de ser somente nossas, pois passam a fazer parte da vida do outro”. Assim, as narrativas possibilitam o entrelaçamento das vidas do narrador e do ouvinte que, ao compartilhar dos relatos do narrador, pode tanto reinterpretá-los, quanto recriá-los consoante às suas próprias formas de pensar, sentir e agir.
No campo dos estudos sobre os processos formativos docentes, as narrativas vêm sendo amplamente utilizadas. A pesquisadora Inês Ferreira de Souza Bragança (2008), falando desta perspectiva, pondera:

As narrativas não descrevem apenas a realidade, são produtoras de conhecimento individual e coletivo e, no caso dos professores/as, potencializam os movimentos de reflexão sobre as próprias experiências, teorias e práticas. O saber da experiência assume centralidade, envolvendo as diversas dinâmicas formativas ao longo da vida e também os movimentos em direção ao futuro. (BRAGANÇA, 2008, p. 75).

Ao contar histórias sobre algum acontecimento do percurso profissional, o narrador-professor faz algo mais do que registrar esse acontecimento: acaba por alterar formas de pensar e agir, sentir motivação para modificar as práticas e manter uma atitude crítica e reflexiva sobre o desempenho profissional. Através da construção de narrativas, professores e professoras reconstroem as experiências de ensino e aprendizagem e os percursos de formação. Desta maneira, explicitam os conhecimentos pedagógicos construídos por meio das suas experiências, permitindo a sua análise, discussão e eventual reformulação.

No nosso caso, se o objetivo da pesquisa era ouvir as vozes de professores e professoras, buscando captar sentidos da formação continuada, foi preciso criar espaços para suas narrativas, colocarmo-nos em posição de ouvir e acolher as tantas histórias que tinham a contar. Assim, articulando fundamentos e princípios das abordagens (auto)biográficas, o principal instrumento metodológico utilizado foi a entrevista narrativa (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2012), um dispositivo específico de geração e análise de dados narrativos.
Partindo do pressuposto de que contar histórias é uma forma elementar de comunicação humana e, independentemente do desempenho da linguagem estratificada, é uma capacidade universal, Jovchelovitch e Bauer (2012) propõem a realização de entrevistas narrativas que começam com o entrevistador solicitando que a pessoa a ser entrevistada (considerada informante) conte sua história de vida, valendo-se de um convite amplo e não diretivo; perguntas específicas podem ser formuladas ao final.
Participaram das entrevistas quatro professoras e um professor de educação infantil da Rede Municipal de Itaboraí - RJ, com quem nos encontramos individualmente para ouvir suas memórias e narrativas sobre seus processos formativos3. Os seguintes critérios auxiliaram na definição dos participantes da pesquisa: ser docente concursado para atuar na educação infantil e ter participado de pelo menos dois anos de formação, continuada e/ou permanente, oferecida pela Secretaria Municipal de Educação.
As entrevistas foram gravadas em áudio e, após transcritas, foram textualizadas de forma a identificar e dar melhor visibilidade aos diferentes temas que as participantes e o participante enunciam, sem retirá-los do contexto. Para tanto, no tratamento do material biográfico produzido (seja na forma de apresentação do conteúdo das entrevistas, seja em sua análise), valemo-nos de procedimentos metodológicos sugeridos por Prado et al. (2008); Rosa et al. (2011) e Rosa; Ramos (2015). Ao tratarem da produção de memórias e de narrativas docentes, os referidos pesquisadores utilizam um determinado tipo de textualização narrativo-memorialística, a qual denominam mônada.

As mônadas, noção derivada da obra de Walter Benjamin, são fragmentos de histórias que, juntas, narram a conjuntura de um tempo e de um lugar. Metodologicamente, elas são excertos das transcrições das entrevistas que são recriadas mediante textualização, produção de um título e edição. Expressam-se como pequenas crônicas, historietas com início e final geralmente aberto, que deixa brechas para que o leitor ou o ouvinte possa também, criativamente, perceber as verdades que elas contêm. (ROSA; RAMOS, 2015, p. 147).

Conforme Prado et al. (2008), para o emprego de tal procedimento no tratamento do material biográfico proveniente das entrevistas narrativas, é necessário considerar também que a produção de mônadas:

[...] não se dá no simples recorte de extratos das entrevistas com a função de ilustrar uma discussão, mas sim na formulação deliberada de narrativas que explodem em polissemia ao se tornarem uma historieta intitulada, muitas vezes, com intenção provocativa. (PRADO et al., 2008, p. 64).

Nessa perspectiva, compreende-se que os trechos de memórias narradas, deliberadamente textualizados, ganham uma força maior do que simples excertos de entrevistas: são potentes e polissêmicas histórias – de vida, de experiências, de formação. Por sua vez, concebidos pelos referidos autores como mônadas, convertem-se em historietas que não obedecem a uma prévia categorização ou classificação, mas que reverberam fragmentos do vivido e rememorado, abrindo-se ao leitor em uma profusão de sentidos.
Assim, inspiradas nessas noções que vêm sendo empregadas no campo das abordagens (auto)biográficas, para fins de apresentação e análise, as narrativas docentes advindas das entrevistas foram (re)organizadas em pequenas histórias e cada qual recebeu um título. A partir da identificação de questões relacionadas às dimensões teóricas e práticas que atravessam o processo formativo docente, apresentamos certos conjuntos de narrativas textualizadas, como um bloco. Considerações analíticas vão sendo tecidas sobre cada conjunto, chamando atenção para alguns sentidos possíveis e, ao mesmo tempo, amplificando possibilidades para múltiplas interpretações sobre processos formativos docentes, em especial aqueles que envolvem experiências de formação continuada.

Articulando histórias e tecendo fios sobre formação, teoria e prática
Nos limites do presente artigo, selecionamos algumas narrativas e, a partir delas, tecemos considerações articulando questões evidenciadas, levando em conta o objetivo geral da pesquisa: refletir sobre os sentidos e as contribuições da formação continuada para a prática pedagógica da educação infantil, nas vozes dos seus professores.
As histórias docentes, capturadas pelas entrevistas narrativas realizadas, são repletas de reflexões sobre as dimensões teóricas e práticas da profissão. Nos percursos formativos enunciados, as professoras e o professor que se fizeram narradores afirmam a necessidade da teoria, mas que esta deve ser experimentada, vivenciada para tornar-se prática. A reflexão teórica deve ser referenciada em uma prática.
Ao falarem sobre a relação teoria e prática, remetem-nos à reflexão sobre as trajetórias profissionais, envoltas por questões de aprendizagens do ofício docente, pela prática. As dificuldades ao iniciarem no magistério, a falta de suporte necessário para o enfrentamento dos desafios cotidianos, na tarefa de fazer-se professor ou professora de crianças pequenas, são dificuldades vivenciadas, como se pode apreender lendo os conteúdos das pequenas histórias que apresentamos a seguir.

No início: com a cara e com a coragem.
Quando cheguei na educação infantil, eu fui para uma escola muito precária. Fui conhecer todas as necessidades, quando eu peguei uma turma de maternal. Era uma turma que ninguém queria, tinha um monte de criança com fralda. E foi assim: - Você tem experiência com educação infantil? - Eu conheço um pouco de educação infantil, tenho um pouco de experiência. - Ah, então é você mesmo que vai assumir o maternal! E fui, com a cara e com a coragem (Juliana).

Entre teoria e prática, a experiência.
Quando cheguei na escola, tive muitas dificuldades. Mas aos poucos fui tentando direcionar os meus conhecimentos teóricos, foi a hora de colocar em prática. Peguei algumas coisas da faculdade, para eu tentar ler, procurei também pessoas que davam aula, amigas minhas que davam aula, fui pedir socorro: me ajuda! Elas me ajudaram, me deram muitas dicas. Agora, parando para pensar, o que eu pude colocar na balança em relação ao conhecimento da faculdade, e aquele início, foram os conhecimentos dos teóricos, de fases de desenvolvimento. Foi ali que eu consegui ver na prática realmente: nessa idade eles fazem isso e tal. Mas mesmo assim, chegavam horas que eu ficava assim: Meu Deus, o que que eu vou fazer? E agora? Não, não estudei isso na faculdade. Aí, faltava mesmo a experiência. (Fernanda).  

A prática me fez a profissional que eu sou.
Eu cheguei na prática assim, crua. O curso normal, para mim, não deu base quase nenhuma. Lá dentro de sala, era tanta coisa, e eu me perguntava: para que eu preciso aprender isso? Porque, na prática, você não vê daquela forma que é mostrada ali nas aulas. O que realmente me fez aprender alguma coisa, foi o estágio remunerado que eu fiz numa escola lá no Rio. A prática me fez a profissional que eu sou hoje. Assim, por que eu vi o que eu não queria ser, a profissional que eu não queria ser, descobri o que eu queria ser. (Alexandra).

Para superar a inexperiência, ou para aprender a continuar, a inserção no cotidiano, com coragem, disposição e abertura, olhando as crianças, observando outros professores, estudando, integrando-se nos movimentos da escola, torna-se fundamental. Nesse movimento, é nítida a crítica à formação inicial, seja no curso do ensino médio, seja no curso superior; ainda que indiquem a necessidade de conhecimentos teóricos, a essencialidade de experiências evidencia-se: por elas e com elas o professor caminha afirmando-se profissional na pessoa que é, ampliando valores e fortalecendo sua identidade no saber-fazer.
Como seguir, como ir em frente, como tornar-se professor e professora? Ainda que seja importantíssimo, não basta considerar formação inicial e experiência, não é suficiente o discurso e a busca por articular teoria e prática. É preciso atitude. Da trajetória, dos processos formativos de quem atua na educação infantil, as narrativas testemunham alguns caminhos, estratégias, condições: estar aberto para aprender; o professor não pode deixar de ser aluno; contra a rotina, parar para ver/pensar os fazeres.

Prática-teoria-prática: exercício cíclico.
Na minha primeira formação, eu cheguei com aquele sentimento: opa, agora eu vou aprender como dar aula na educação infantil. E não, lá eles me fizeram pensar, me fizeram refletir. Quando a gente observa uma prática, uma atuação, a gente pensa: talvez isso cabe para minha turma, com meu grupo eu consigo aplicar isso; já isso que tal professor fez não vai funcionar. Eu acho muito legal este tipo de formação. A teoria é sumariamente importante, mas a gente precisa da prática. E na prática a gente precisa voltar à teoria. Eu acho que isso é um exercício cíclico, que não pode ter fim enquanto a gente estiver atuando na área da educação. (Maicon).

Para superar as dificuldades, é preciso vivenciar a teoria na prática.
O que eu aprendi na faculdade, foi muito rápido, eu posso dizer que eu aprendi mesmo fazendo as formações permanentes. Ali eu vivenciei a teoria na prática, eu vivenciei a própria prática. Aceitar mais a produção da criança. Eu tive um pouco dessa dificuldade: queria pegar na mão da criança para escrever. Eu me interessei muito pela questão da linguagem oral e escrita, por ler livros, teóricos, que falam desta questão, da criança mesma produzir e você aceitar a produção dela. Pois eu tinha essa dificuldade. (Luicilia).

É preciso parar para perceber a teoria envolvida na prática.
O dia a dia é complicado quando você pontua em relação à teoria. Tem determinadas coisas que na teoria é muito bonito, mas na prática, você tem que se movimentar para conseguir fazer. Aí que a gente vê a teoria com a prática, quando a gente fala de planejamento flexível. Muitas vezes a gente faz e nem vê que está fazendo. Como é importante quando paramos para olhar o que estamos fazendo! Então a gente consegue ver a teoria da prática. (Fernanda).
O professor não pode deixar de ser aluno.

Por mais que a gente atue e estude, a nossa prática vai se perdendo da teoria e vamos trabalhando de maneira muito mecânica. Por isso este exercício de voltar para sala de aula, para a formação, é muito importante para o educador. Acho que a gente não pode sair da sala de aula: o professor tem que ser aluno o resto de sua vida, quanto mais estuda, mais tem possibilidade de desenvolver sua prática. (Maicon).

Nota-se ainda, no conteúdo explicitado nas narrativas, a máxima enunciada por Freire (1997), largamente conhecida: para ensinar é preciso colocar-se como aprendiz, continuamente, pois a formação não acaba, uma vez que nossa condição no mundo é o inacabamento.
Avançando na escuta das vozes que enunciam preciosas indicações, nas histórias a seguir apresentadas, destacamos: a importância do compartilhamento (de dúvidas, de saberes, de fazeres) entre colegas, nas propostas de formação continuada. É no diálogo e na reflexão provocadas entre os pares que as práticas podem ser enriquecidas e/ou modificadas. Não é preciso modelos, nem apenas indicações (instruções) de como fazer (receitas). São fundamentais a reflexão e o testemunho de quem já fez.

Compartilhar faz a diferença!
Realmente a formação continuada me ajudou muito! Tinham as rodas de conversas, tinham as comunicações que as meninas falavam do dia a dia, as experiências delas e eu anotava tudo. Contavam: Eu fiz isso, isso. E eu anotava. E assim, o forte do curso de formação é a bagagem teórica, mas eu acho que o compartilhar das outras colegas faz uma diferença muito grande. E fez! Eu anotava tudo que elas falavam, tal atividade deu certo, tal dinâmica, deu certo. Quando chegava na escola, aí eu fazia. Claro, eu colocava do meu jeito, aí tinha o jeito da turma. Me ajudava muito, o curso de formação. (Fernanda).

Compartilhar e crescer.
Às vezes eu fico chateada, as pessoas não usam o tempo, que deveria ser de formação, como um momento de aprendizado, e sim como momento de obrigação, para cumprir a carga horária. Essa não é a proposta do trabalho. A formação... é o que? Auxiliar nosso trabalho, acrescentar um algo a mais. Vamos dizer assim, é compartilhar o que se sabe, o que eu sei, o que você sabe, compartilhar e crescer. E com isso quem vai ganhar são os nossos alunos. (Alexandra).

Das dúvidas à troca de experiência.
O que eu mais valorizo nas formações que eu participo é o momento de troca de experiências, sobre a aplicabilidade das teorias. Às vezes, a teoria não é ruim porque eu não consegui aplicar, ou se o outro aplicou, pois teve elementos que possibilitaram isso. Acho que teoria da educação boa é aquela que funciona. Tanto é que se existisse uma que fosse a melhor, não existiria mais nenhuma. (Maicon).

Não precisa ter modelo.
Eu lembro que eu fazia as atividades com as crianças e levava para apresentar no curso. O que eu achei bacana, que não era nada longe da minha realidade de sala de aula, era aquilo que eu vivenciava com os alunos. E sempre, lá na formação permanente, as formadoras me davam um respaldo, me orientavam, me diziam: olha você pode ir por esse caminho, vai ser melhor; vamos desconstruir um pouco, não precisa ter modelo. (Luicilia).

Quando parece receita de bolo, deixa a desejar.
Muito palestrante tem meio que uma receita de bolo. Parece que você escuta a mesma palestra mudando alguns topicozinhos. E às vezes a gente se preocupa tanto, em fazer diferente, e eles ali na frente, montando uma palestra que já passaram no simpósio, e você vai assistir uma palestra do mesmo palestrante no Rio, até as piadinhas são as mesmas! Então, isso eu acho que deixa a desejar, você vai esperando mais. Você vai, mas sempre consegue acrescentar alguma coisa. (Alexandra).

Formação não é receita pronta.
Quando a gente procura uma formação, na verdade a gente quer uma resposta, para uma angústia, um anseio que a gente tem. A formação te dá elementos para que você responda essa sua pergunta, para que você construa este elemento, que te gerava esta angústia. Te dá este processo de superação. Acho que toda vez que você for para uma formação, e lá eles te derem a receita pronta, eu acho que as formações vão acabar. O legal das formações são os debates e as possibilidades de construção. (Maicon).

A afirmação da práxis educativa é evidente: não basta fazer, não basta dizer, o sentido vem da trama prática-teoria-prática; ou seja, é de uma necessidade do cotidiano, uma demanda da prática que novas apropriações poderão se constituir. Ou, ainda, de outra forma: uma proposta de formação continuada precisa dialogar com os fazeres cotidianos de professores e professoras. Afinal: “A prática de pensar a prática e de estudá-la nos leva à percepção da percepção anterior ou ao conhecimento do conhecimento anterior que, de modo geral, envolve um novo conhecimento” (FREIRE, 1997, p. 74-75).

Ao ressaltarem a importância da relação entre teoria e prática na formação, o narrador e as narradoras propõem um outro termo relacional: a experiência. Falam dos relatos de experiência como parte integrante e significativa das formações continuadas e permanentes, por meio dos quais têm oportunidades de compartilhar percursos vividos com suas turmas, experiências bem-sucedidas, mas também algo que não deu certo e que servem como alerta ou uma nova ideia. Saber que aquilo que está sendo proposto já foi colocado em prática, e experimentado por um colega, não é uma teoria que está fora da realidade, ou uma coletânea de informações a serem seguidas e aplicadas, dizem: ouvir as experiências de outros professores encoraja e ajuda a cultivar o sentimento de competência e segurança.
Nesse ponto, é importante retomar a concepção de experiência formadora (JOSSO, 2004), pautada no sujeito que se forma imerso em um trabalho de consciência, trabalho este que permite a identificação das aprendizagens e conhecimentos nas interações e transações da vida vivida.

Eles sempre mesclam teoria e prática.
No curso de formação permanente de educação infantil eles sempre mesclam teoria e prática: tem um momento que você vai ouvir, vai falar, vai trocar e tem um momento que você vai pôr em prática aquilo que você ouviu. De interação, para você conhecer todo o grupo, esse momento de troca, alguém que acrescente sempre alguma coisa para nossa prática, seja um palestrante de fora, seja até mesmo alguém da rede. (Alexandra).

A formação te inquieta, te mexe!
A formação inicial é tudo muito rápido. O que eu consegui aprender foi na prática, cada ano é uma criança. Eu percebo que esse momento de formação, é isso mesmo, pesquisa da própria prática, é relacionar teoria na própria prática. Percebi que quando eu não fiz a formação, muitas das vezes eu não me preocupei em estar fazendo um trabalho amarrado, embasado. A formação te inquieta, te mexe, todo momento que você tem que levar o que você fez com sua turma, e que tem a ver com a teoria, e que tem a ver com o referencial. Na formação permanente dá para você pegar aquela teoria e vivenciar na prática. (Luicilia).

Isso eu quero! Isso não serve, eu deleto!
Um momento na formação pode acrescentar na sua vida profissional, tendo o que você já faz, só que melhorando. Na formação continuada, eu sempre tento tirar o que é de melhor para minha prática: isso eu quero! Isso não serve, eu deleto! Algumas formações contribuíram sim, outras não. Consigo fazer seleção, aqueles momentos que eu acho que são bons pra mim. O que não é, eu deleto, entra por aqui, sai por ali. Eu iniciei meu ano usando tudo que eu aprendi na última formação. (Alexandra).

Formação: abrir os olhos.
Na formação, todos estavam buscando apoio pedagógico, buscando se especializar, buscando se capacitar, para tornar sua prática mais significativa. Um embasamento mais teórico também, não ficar só na questão do cuidar. Poxa, a gente vai para educação infantil e as pessoas falam que a gente só brinca! Mas a gente brinca porque está nos nossos referenciais, brinca porque é a maneira de socialização, brinca para tornar o conhecimento mais significativo e prazeroso. Então, a formação que eu fiz da prefeitura, foi muito neste sentido, de abrir os meus olhos para coisas que eu já tinha estudado, mas tinha esquecido. Quando você está na prática você não tem muito tempo para voltar à teoria. Esses momentos de formação são importantes por isso, a gente tem este retorno teórico. (Maicon).

Eu me sentia pesquisadora da minha prática.
Os formadores levam textos para a gente ler, para a gente escrever, para a gente discutir. As atividades que propõem são feitas com os alunos, com as crianças. E essa atividade, ela tem que ser embasada em todo referencial curricular, e a gente leva: como trabalhou a linguagem oral, atividade tal. Era teoria e prática ao mesmo tempo. Eu me sentia pesquisadora, mesmo, da minha prática, você conseguia relacionar ali teoria e prática, e que esse era o objetivo. (Luicilia).

Cansa, mas ajuda a abrir o olhar, a sair da caixinha.
Acredito muito na formação continuada! Hoje mesmo estávamos falando: ano que vem não vou fazer formação continuada, estou cansada gente, não vou fazer! Reencontrei uma amiga, fizemos a formação ano passado, e ela falou: é muito bom, né? E eu disse: é enriquecedor para a gente. Porque ali são novidades que vem. No dia a dia se perde muito naquele mundo da escola e de repente a gente não abre o olhar para o todo. Então vem uma pessoa no curso de formação traz uma fala – olha, eu fiz isso! Uma tecnologia, uma dinâmica, traz uma novidade e isso te acorda. Não, realmente eu preciso sair um pouco da minha caixinha. (Fernanda).

Troca e aprendizado.
Eu quero formação a todo momento! Infelizmente, a nossa carga horária não comporta. Eu queria que fosse mais, que tivesse mais momentos de formação. Com certeza, nossa educação seria bem melhor. Porque esses momentos são de troca e de aprendizado. Às vezes, as pessoas pensam que as formações permanentes são iguais, então não precisa fazer mais. Eu era uma dessas pessoas. Muito resistentes a essas formações. Eu achava que era uma perda daquele momento que eu estaria fora da minha casa. Mas não é! Você só está ganhando. (Alexandra).

Aprender com o outro, colocar em prática o conhecimento teórico.
Fui aprendendo com outros professores, eu gosto de ouvir outras pessoas falar, aprendo muito. Anoto o que posso fazer – poxa, deu certo com aquela pessoa, com aquela turma, pode ser que dê certo comigo também. De repente uma dificuldade com uma criança, ou com a turma em geral e o professor fez e deu certo e eu trago para mim, eu tento fazer também, eu não tenho essa de não vou fazer porque fulano fez; não, eu gosto de compartilhar. Deu certo? Vou tentar fazer também. E sempre pensando a bagagem teórica, tentar colocar em prática o conhecimento teórico com o conhecimento do dia a dia. (Fernanda).

No percurso de formação contínua, como indica Alarcão (2008), o objeto de reflexão é tudo aquilo que se relaciona com a ação do professor durante o ato educativo: conteúdos, métodos e objetivos educacionais, conhecimentos e fatores relacionados à aprendizagem, processo de avaliação, a razão de ser do professor. Ou ainda, como bem destaca Josso (2010b, p. 63) “um dos objetivos da formação contínua deve ser o alargamento das capacidades de autonomização e, portanto, de iniciativa e de criatividade”.
O professor e as professoras em suas entrevistas nos deram boas pistas de como deveriam ser as formações continuadas oportunizadas pela Secretaria de Educação: lugar de compartilhar o que sabem; não querem receitas; consideram que os organizadores de encontros (como jornadas pedagógicas) devem sondar melhor o que vai ser apresentado pelos professores participantes; devem mesclar teoria e prática; nas rodas de conversas as trocas de experiências que acontecem ajuda muito; gostam das novidades apresentadas; afirmam que a formação é lugar de pensar e refletir, vivenciando a teoria na prática. Também desejam mais espaço para estudo, querem que abordem questões do dia a dia, em diálogo com a bibliografia da área: planejamento e rotina na educação infantil, por exemplo, devem fazer parte dos estudos, continuamente.
A referência às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), documento que deve nortear a formulação de propostas pedagógicas em todo o território brasileiro, indica clareza relativa aos parâmetros legais para o currículo na Educação Infantil, mas que, no entanto, ainda não estão incorporados na prática cotidiana. Para superar as dificuldades, traduzindo os pressupostos em prática efetiva, é preciso estudo, dizem. O espaço de formação continuada poderia garantir tempo para isso.

Curso de formação: falar do dia a dia em diálogo com os autores.
A Coordenação de Educação Infantil sempre procurou trazer a parte teórica. Não é só chegar ali, fazer a roda e falar do dia a dia, falar de mim. Mas falar de mim apoiada num autor. Aí é mais complicado. Não estou falando só de mim, eu tenho por trás um autor que está fortalecendo o meu pensamento. Os teóricos eram trazidos como suporte para a gente, fazendo a leitura, um momento dos textos. Tem a hora da gente falar da turma, tem hora de trazer os trabalhos, expor para a turma os trabalhos que a gente fez, ou em vídeo ou em foto. (Fernanda).

Estudar faz parte do trabalho docente.
Você precisa ter o planejamento para ser um docente de qualidade. Uma das partes da valorização docente é o entendimento que o estudo, planejamento e avaliação, fazem parte do seu fazer. O que eu quero para os meus alunos eu preciso melhorar. (Juliana).

Espaço para estudo.
A parte principal que ainda não foi sanada, é o estudo mesmo, estudo dirigido, por que muitos, eu me incluo nesses muitos, estudam para fazer concurso e esquecem as DCNEI. Tem que estar sempre lendo, um estudo específico, voltado para que possa melhorar sua prática. Eu tenho muita dificuldade de acrescentar alguns eixos dentro da minha prática. A formação poderia ter um momento voltado para esse estudo. (Alexandra).

Precisamos ler mais!
O que me ajuda muito no curso de formação é a questão de estudar muito, procurar ler. Preciso ler mais. Falta tempo. Eu quero entender as questões do dia a dia, a organização da rotina, e para isso eu tenho que ter tempo. Para poder ler, para poder estudar, para poder tirar minhas conclusões, para começar a escrever sobre a experiência. Como é que vou escrever se eu não tiver leitura? Eu não vou conseguir! (Fernanda).

Formação: abrir os olhos.
Na formação, todos estavam buscando apoio pedagógico, buscando se especializar, buscando se capacitar, para tornar sua prática mais significativa. Um embasamento mais teórico também, para não ficar só na questão do cuidar. Poxa, a gente vai para educação infantil e as pessoas falam que a gente só brinca! Mas a gente brinca porque está nos nossos referenciais, brinca porque é a maneira de socialização... Então, a formação que eu fiz da prefeitura, foi muito neste sentido, de abrir os meus olhos para coisas que eu já tinha estudado, mas tinha esquecido. Quando você está na prática você não tem muito tempo para voltar à teoria. Esses momentos de formação são importantes por isso, a gente tem este retorno teórico. (Maicon).

No início do artigo falávamos de avanços e conquistas no campo da educação infantil, de novas concepções que indicavam a necessidade de novas práticas para que os direitos afirmados fossem garantidos. No âmbito das propostas pedagógicas desenvolvidas em instituições de educação infantil, a necessidade de ouvir as crianças, prestar atenção em seus modos próprios de ser, interagir e expressar suas relações com o mundo ao redor, afirmando a condição de sujeitos produtores de cultura, impôs também a necessidade de abrir espaço para aprendizagens docentes nesse campo.

Na última narrativa apresentada, o professor destaca uma questão que é central, hoje, para a prática docente na educação infantil: reconhecer a brincadeira como atividade principal da infância. Tal como explicitado nas DCNEI (BRASIL, 2009), a brincadeira é definida como um dos eixos estruturantes das propostas pedagógicas para a educação infantil. Todavia, como a própria narrativa indicia, a brincadeira não é compreendida tão facilmente. Para desvendar seus sentidos e importância para a criança em seus processos de significação do mundo, é necessário aproximação teórica.
As narrativas docentes enunciadas na pesquisa reforçam essa perspectiva: a necessidade é admitida, o desejo de estudar é explicitado, as questões que perpassam esse novo tempo da docência na educação infantil são evidenciadas. A partir do que vinha sendo proposto pela Secretaria de Educação do município em que atuam, as fragilidades são reconhecidas. No diálogo estabelecido, reafirma-se, tal como assinalado por Ostetto (2011), que se ouvir as crianças é um pressuposto para a prática pedagógica do tempo presente, ouvir professores e professoras sobre seus processos formativos, propondo espaços para o compartilhamento e acolhimento de suas aprendizagens, dúvidas, desejos, esperanças, revelando saberes e fazeres, é essencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A FORMAÇÃO CONTINUADA PRECISA ACOLHER AS VOZES DOCENTES
Ao longo da pesquisa, foram apontados estudos e investigações sobre formação de professores que corroboram a importância de narrar a experiência, de compartilhar fazeres e saberes, de pensar sobre a prática, de contar histórias vividas na profissão. As narrativas possibilitam o entrelaçamento das vidas do narrador e do ouvinte que, ao compartilharem relatos, podem tanto reinterpretá-los quanto recriá-los consoante as suas próprias formas de pensar, sentir e agir. Essa indicação e perspectiva, constatamos, é muito potente para a formação de professores.
Das vozes docentes, tomadas em diálogo no percurso da pesquisa, ecoam testemunhos tecidos na reflexão narrativa que indicam a importância de propostas de formação continuada, pois trazem contribuição inegável para a prática pedagógica. Analisadas no conjunto, as narrativas revestem-se em significativas recomendações para se (re)pensar e fundamentar a formulação de políticas públicas para a qualificação profissional docente. Concordamos que:

[...] é necessário superar a ideia de “déficit” a ser compensado, tanto das crianças, quanto dos professores que trabalham com elas: ao contrário, há saberes plurais e diferentes modos de pensar a realidade. Atentar para os saberes e valores dos profissionais, a partir de seu horizonte social, para sua etnia, sua história de vida e trabalho é a singeleza que cerca uma proposta de formação e, nisso, estão também sua força e possibilidade de êxito. (KRAMER, 2005, p. 225).

A formação terá mais sentido se acolher a pessoa na pessoa do professor e da professora: compartilhar saberes e fazeres, ouvir e ser ouvido, estudar, ampliar olhares e possibilidades são desejos docentes que podem se converter em diretrizes para a formulação de propostas de formação continuada significativas. Para o cultivo de práticas pedagógicas na educação infantil que respeitem os direitos fundamentais das crianças e garantam todas as conquistas legais e avanços conceituais nesse campo, dar guarida às vozes e necessidades docentes pode fazer a diferença.

REFERÊNCIAS

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3 - As entrevistas seguiram os procedimentos éticos estabelecidos para a pesquisa científica; os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e também autorizaram a divulgação de seus nomes.
Recebido: 04 de Junho de 2017; Revisado: 24 de Agosto de 2017; Aceito: 27 de Setembro de 2017
Gabriela Alves de Souza Vasconcelos dos Reis é mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Assessora pedagógica da Coordenação de Educação Infantil – SEME de Itaboraí/RJ. Pesquisa e atua principalmente com os temas formação de professores, alfabetização e educação infantil.
Luciana Esmeralda Ostetto é doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), atuando no Programa de Pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado) e no curso de pedagogia. É líder do FIAR – Círculo de estudo e pesquisa Formação de professores, Infância e Arte (Diretório de grupos CNPq).









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